quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Prenúncio de uma nova primavera!


Primavera
Cecília Meireles

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.


segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Com o coração e a coragem.


Sobre a tarde de 11 de agosto de 2018.

Então aparece alguém para constelar, levado pela mão de um amigo.
Existem alguns “anjos da guarda”, pessoas que querem realmente auxiliar os outros e os levam a um grupo de constelação.
Esses “anjos da guarda” tem confiança grande nas constelações e, responsabilidade das responsabilidades, tem uma confiança grande no meu trabalho.
Procuro fazer por onde merecer, procuro levar a sério o conselho de Stephan Hausner, não ir além do que está autorizado pelo sistema, de perceber até onde posso seguir. Os que ultrapassam a linha têm adoecido. Quero ficar com minha saúde. Quero reconhecer e respeitar os limites, cada vez mais. Quero poder olhar sem expectativas e sem medo para os espaços que esses limites, quando bem observados, abrem com generosidade. É aí o lugar onde um movimento novo pode acontecer – ressignificando, arejando, mudando a direção.
Normalmente os anjos da guarda trazem pessoas em situações delicadas, algumas que carregam destinos pesados, emaranhados que na vida cotidiana resultam em dificuldades concretas.
Então chega esse alguém, levado pela mão de seu amigo “anjo da guarda” e constela.
Passa o tempo, a pessoa volta. Agora é ela quem veste a roupa de anjo e traz pela mão o próprio irmão que irá conhecer o trabalho. Esse não constela, olha, participa e se vai.
Passam mais alguns meses.
Novamente eles voltam. Vestidos de anjo, trazem a mãe, o pai e outros irmãos.
A mãe constela. Emerge a regra da hierarquia, tantas e tantas vezes violada em nome do amor. E o que hoje parece um inferno de vida, está ancorado em atitudes tão cegamente amorosas de uma infância com marcas e traumas. Lá, a violação da hierarquia significou a forma encontrada para equilibrar aquilo que não estava ali. Mas se o que faltou também não estava na geração anterior e, sensivelmente, não estava na que a antecedeu, como compensar? Como aliviar a necessidade de amor e contato?
Com os olhos abertos, essa familia permite que as imagens e os movimentos da constelação fluam para o coração. Os corações da mãe, do pai, que simplesmente se abriu para um entendimento que antes era impossível, dos filhos, que então se encontram com a simplicidade de uma verdade tão querida: o bem maior, a Vida.
Gratidão a vocês, do sábado passado! Que estavam presentes com o coração e a coragem.