Uma das perguntas recorrentes feitas nos grupos de
constelação:
Como é possível que situações que ocorreram em gerações anteriores
(por vezes até desconhecidas da pessoa que constela) se mostrem presentes no
campo da constelação manifestando nitidamente sua atuação e influência a vida atual
do cliente?
Sob a ótica científica, a epigenética traz explicações cada
vez mais precisas a esse respeito. Por outro lado, tradições culturais ditas “primitivas”,
lançam mão há séculos do recurso de atemporalidade na realização de seus trabalhos
de cura.
Em que pese o fenômeno da atemporalidade se manifestar em
diversas constelações e ser fascinante para quem assiste o trabalho, corre-se o
risco de perdermos o sentido da constelação, ficando em um nível meramente especulativo
e de curiosidade, se o fenômeno passar a ser considerado o próprio trabalho. Ele não é. Consiste, sim, no meio através do qual chegamos a uma outra pergunta que nos conduz mais além: a serviço do quê ele existe?
Por que ele se apresenta nos trabalhos de cura?
A seguir um trecho do livro de Daan van Kampenhout, La
sanación viene desde afuera – Chamanismo y Constelaciones Familiares, onde o tema é tratado com maestria. As observações entre parênteses são minhas.
[...]A experiência da atemporalidade é de suma importância na
prática xamânica (e nas constelações).
Quando a experiência do tempo linear é quebrada, o fluxo de histórias que
normalmente contamos a nós mesmos é interrompido. Pensar em termos das
histórias passadas, das que estão acontecendo agora ou que deveriam estar ocorrendo
em seu lugar; ou ainda, acerca do que aconteceu ontem ou deveria acontecer no
futuro, só é possível quando a consciência está firmemente ancorada no tempo
linear. Na atemporalidade do ritual xamânico (e das constelações), essas
histórias internas perdem sua sustentação imediatamente. Fragmentam-se e perdem
sua coesão; podendo haver momentos nos quais ficam totalmente silenciadas. E quando
o compulsivo monólogo interno se debilita, a consciência é liberada para uma
nova experiência. Quando as histórias internas a respeito de nós mesmos e dos
outros perdem o domínio sobre nossa atenção, o que sentimos é a experiência
real de energia ligada a essas histórias, a energia que é a sua essência. Por
exemplo, em vez de repetir a interminável queixa familiar de que nosso
companheiro não fala que nos ama, de repente, podemos sentir outra verdade: o
sofrimento silencioso que fechou seu coração há muito tempo atrás. Ou, em vez
de dizermos repetitivamente que nossa mãe nunca nos olhou realmente e como isso
nos mobiliza, agora sentimos o medo enorme de uma criaturinha que às vezes necessitava
mais do que seus pais podiam lhe dar.
Os padrões de pensamento habituais servem para manter a
realidade fixa de uma forma que está a serviço das identificações da
personalidade. Ancorada na atemporalidade, a consciência começa a ver outras camadas
da verdade, a da verdadeira energia do corpo e as camadas mais profundas da
psique. Experimentar a atemporalidade e, desse modo, abrir-nos para chegar a
camadas mais essenciais de experiência, é um fator chave na cura, tanto para o xamã (constelador) quanto para seu cliente. [...]